domingo, 2 de junho de 2013

“BRASILEIRO É TÃO BONZINHO” (Kate Lira)
            Por Fernando Carvalho autor de “Açúcar o perigo doce”, editora Alaúde.
            E administrador deste blog.

            Na revista Veja de 20/04/2013, a escritora Lya Luft tratou da violência nossa de cada dia. Para quem não sabe o Brasil é um dos países mais violentos do mundo, aqui morre muito mais gente vítimas de armas de fogo que na Síria, atualmente em guerra civil. Lya chamou a atenção para a epidemia de violência, os arrastões nos restaurantes de São Paulo (no Rio é em túneis e engarrafamentos), a onda de violência que invade nossas casas, apartamentos e sítios. E a exuberância irracional da violência: menores de idade que já saem de casa “com vontade de matar”. E não só matam: estupram, violentam, chacinam inocentes. “O crime se tornou banal, a vida vale quase nada” arremata Lya. Jovens assaltantes atearam fogo a uma dentista porque ela não tinha dinheiro.
            Infelizmente o diagnóstico de Lya é parcial, focaliza apenas a violência dirigida à classe média que diante da violência se esconde atrás das grades que cercam os edifícios onde moram, dos arames farpados e cercas eletrificadas que adornam os muros altos que cercam suas propriedades e dos carros blindados.
            No que diz respeito à violência brasileira, o buraco é mais embaixo. A meu ver, a violência que respinga na classe média é decorrência da que se abate sobre as classes subalternas. O fogo que imolou a dentista que não tinha dinheiro para os assaltantes é o mesmo que esturricou o índio Galdino de Jesus em Brasília, fogo colocado por jovens de classe média, um deles filho de um juiz de direito. É o mesmo fogo que carboniza mendigos e habitantes da rua Brasil afora. Violência que tem até um lado “mudo”, a prefeitura do Rio de Janeiro retirou os bancos dos pontos de ônibus e não tem colocado bancos nas praças novas ou nas que são restauradas. Mendigos e moradores de rua não possuem o direito nem de descansar ou dormir num banco de praça. Essa violência silenciosa (que respinga nos idosos que ficaram sem ter onde sentar) não seria um convite à violência gritante contra os pobres?
            Lya Luft reclama contra a responsabilidade criminal aplicável apenas após dezoito anos completos e lembra que em países civilizados como Canadá e Holanda é de doze anos. Reclama de não poder chamar de “assassinos” esses pimpolhos de 15 anos. “Jovens monstros, assassinos frios, sem remorso, drogados ou simplesmente psicopatas (que) saem para matar e depois vão beber no bar, jogar na lan house, curtir o Facebook, com cara de bons meninos”. E faz um desabafo dramático: “Hoje a população, apavorada, está nas mãos de criminosos”. E conclui quase clamando por uma solução, quase exortando as autoridades a apresentarem uma solução: “Estamos indefesos e apavorados, nas mãos do acaso. Até quando?”.
            Lya há algum tempo se indispôs com os ecologistas por causa das baleias, pelo fato dela dizer que se emocionava com gente e não com os enormes mamíferos dos mares. Lya também durante o plebiscito do desarmamento votou favoravelmente ao comércio de armas. Desses precedentes concluí que entre gente e bichos ela prefere gente, mas entre gente e a propriedade privada ela, pequeno-burguesa, prefere a propriedade.
            É lamentável que Lya Luft esteja tão obnubilada pelo medo que toma conta da classe média. Não se pode colocar no mesmo saco assassinos, drogados e psicopatas. De nada vai adiantar encher as cadeias com meninos de 12 anos.
            Lya Luft não escreveu nem uma linha sobre o caldo de cultura que alimenta a violência brasileira, a moldura social na qual se move o povo brasileiro, fatores que levam uma mulher a jogar um bebê no lixo. E os sobreviventes são empurrados pela vida para a cracolândia.

            O Brasil é uma fábrica de doentes e marginais. Se nossa infância e juventude fossem educadas com base numa paidéia no sentido grego antigo e alimentadas com comida em vez de uma ração açucarada, a pressão por hospitais e médicos, presídios e policiais, seria menor.

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